Iniciativa inclui técnicas simples de armazenamento da água da chuva até a construção de pequenas barragens para evitar a erosão do solo.
No sertão do Nordeste, no entorno do Rio São Francisco, comunidades e pesquisadores trabalham em conjunto para buscar a recuperação de nascente de rios e incentivar o uso de técnicas para aproveitar melhor o uso da água. Tudo isso para alavancar a produção rural na caatinga.
Canindé de São Francisco, noroeste de Sergipe e divisa com Alagoas, é um exemplo. O município tem lindas paisagens e uma aparente abundância de água. Porém, no entorno do rio que passa pela cidade é marcado por pouca chuva e pela seca.
Perto dali, no assentamento Florestan Fernandes, a falta de água é um problema, a chuva raramente vem e, quando chega, não é na época certa para a atividade agrícola. Animais e plantações não resistem e morrem.
O biólogo da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Valdemar Rodrigues é especialista em desertificação e afirma que parte dessa região corre risco de virar um deserto sem vida.
“O que nós temos que fazer é procurar onde existia essa água para que a gente possa recuperar e dar novamente condições de vida no sertão do Nordeste”, explica.
Em Sergipe, as águas do Velho Chico cortam a paisagem do sertão — Foto: Hellen Santos/TV Globo
Com esse objetivo, a comunidade partiu em busca da água e conseguiu localizar a nascente de rio. Protegida por uma manilha, que traz a água do subsolo, ela garante 700 litros por dia, o que ajuda a matar a sede do gado.
Além dessa, outras 7 nascentes foram encontradas em comunidades do município e na cidade vizinha, Poço Redondo.
O resgate da água é uma das soluções de um projeto de uso sustentável do semiárido, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente com recursos de um fundo internacional.
O entorno do Rio São Francisco é marcado pela pouca chuva e secas frequentes — Foto: Hellen Santos/TV Globo
A coordenadora Sociedade de Apoio Socioambientalista e Cultural (Sasac), Daniela Bento, é uma das líderes de um projeto de convivência com a seca em pequenas comunidades e explica que tudo começa por uma mudança de hábito.
“A caatinga não é ruim com a gente. Ás vezes, nós podemos ser um pouquinho ruim com ela pela nossa ignorância, pelo modo como a gente foi ensinado que era queimando, que era cortando... e a gente agora está descobrindo de que a gente pode conviver harmonicamente também, que ela é nossa parceria”, afirma Daniela.
Técnicas simples e eficientes
O projeto oferece tecnologias básicas para produzir no semiárido, mas que só desembarcaram por lá em 2018, cerca de 20 anos de espera por uma “cisterna calçadão”, por exemplo. Neste sistema, a água da chuva por um calçadão e é armazenada para abastecer a agricultura familiar.
O agricultor João afirma que isso ajuda a garantir uma “segurança hídrica” para a região. “Antes de ter essa cisterna era muito dificultoso de a gente conseguir criar os animais”, lembra.
Em assentamentos, em Canindé de São Francisco, pequenos agricultores torcem pela chuva a cada safra — Foto: Hellen Santos/TV Globo
Soluções assim alcançaram 600 famílias, em 20 comunidades, em Sergipe e outros quatro estados do nordeste (Bahia, Piauí, Maranhão e Ceará).
“Se você não tem água você não tem como você produzir. Você fica na vulnerabilidade realmente que você tenha o retorno da Fome nessa região”, afirma a coordenadora Sociedade de Apoio Socioambientalista e Cultural (Sasac), Daniela Bento.
Evitar a erosão do solo é fundamental
No sertão chove muito pouco, e quando chove, muitas vezes são pancadas de chuva. Quando isso acontece, existe um risco. Essa água, quando ela bate no chão, em vez de infiltrar e virar um reservatório paras plantas, ela vai escorrer e levar junto muita terra fértil.
O problema é agravado dependendo do jeito que o agricultor planta na lavoura. Quando a linha de plantio está no mesmo sentido da caída da água, é erosão na certa.
“No final de uma chuva, você perde de 5 a 10 centímetros de solo, permitindo que a erosão se instale e a capacidade de produção diminua drasticamente na região”, explica Rodrigues.
A primeira atitude é mudar o sentido do plantio, fazendo as chamadas curvas de nível, que são linhas que acompanham o relevo.
“Hoje a gente já aprendeu mais um pouco. A gente nasceu na roça, só que esse manejo a gente nunca tinha aprendido”, afirma o agricultor José Augusto dos Santos.
A mudança foi possível com a ajuda do técnico agropecuário Egídio dos Santos Neto, que atua em uma ONG nas Unidades de Recuperação de Áreas Degradadas (Urad).
A erosão também é um problema para os açudes da região, por isso que os projetos que atuam na região buscam diversas formas para evitar o problema.
Um exemplo é a “barragem de base zero”, que são pedra amontoadas perto dos açudes que seguram a chegada terra e permitem a água passar.
A manutenção das barragens é simples e deverá ser feita anualmente pelos próprios agricultores.
'Mudança de pobre para rico'
Uma outra etapa desse projeto de recuperação ambiental, olhou diretamente para o dia-a-dia do sertanejo, dentro da casa dele. Com isso, ideias que parecem simples, podem mudar toda a rotina.
Na casa da agricultora Marly de Lima, por exemplo, agora a cozinha tem um fogão ecológico, que usa pouca lenha e joga toda fumaça por uma chaminé. Antes, ela cozinhava no quintal e ficava exposta à fuligem, o que poderia gerar problemas respiratórios no futuro.
O projeto de recuperação da caatinga levou mudanças para dentro das casas. Dona Marly foi uma das beneficiadas — Foto: Hellen Santos/TV Globo
O agricultor José Viana vive na região há 10 anos e a casa dele e da esposa, Lica, que faleceu pouco após a gravação da reportagem, passou por mudanças. Além do fogão ecológico, um item comum na cidade, mas que é novidade por lá: um chuveiro.
“É uma mudança assim, de pobre para rico (risos). Muita gente que já possui e não dá valor que realmente merece. Agora, a gente que nunca possuiu quando tem é um melhoramento. Outra vida”, comemora José Viana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário