sexta-feira, 14 de outubro de 2016

DISCURSO DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE EM 1977 PARECE SER UM PRENÚNCIO DOS DIAS ATUAIS DO RIO SÃO FRANCISCO

Águas e Mágoas do Rio São Francisco

Está secando o velho Chico.
Está mirrando, está morrendo.


Já não quer saber de lanchas-ônibus
nem de chatas e seus empurradores.
Cansou-se de gaiolas 

e literatura encomiástica 
e mostra o leito pobre,
as pedras, as areias desoladas
onde nenhum caboclo-d’água, 

nenhum minhocão ou cachorrinha-d’água,
cativados a nacos de fumo forte,
restam para semente
de contos fabulosos e assustados.
Ei, velho Chico, 
deixas teus barqueiros e barranqueiros na pior?
Recusas pegar frete em Pirapora
e ir levando pro Norte as alegrias?
Negas teus surubins, teus mitos e dourados,
teus postais alucinantes de crepúsculo
à gula dos turistas?
Ou é apenas 

seca de junho-julho para descanso
e volta mais barrenta na explosão
da chuva gorda?
Já te estranham, meu Chico. Desta vez,
encolheste demais. O cemitério
de barcos encalhados se desdobra
na lama que deixaste. O fio d’água
(ou lágrimas?) escorre
entre carcaças novas: é brinquedo
de curumins, os únicos navios
que aceitas transportar com desenfado.
Mulheres quebram pedra
no pátio ressequido
que foi teu leito e esboça teu fantasma.
Não escutas, ó Chico, as rezas músicas
dos fiéis que em procissão imploram chuva?
São amigos que te querem,
companheiros que carecem
de teu deslizar sem pressa
(tão suave que corrias,

embora tão artioso
que muitas vezes tiravas
a terra de um lado e a punhas
mais adiante, de moleque).
É gente que vai murchando
em frente à lavoura morta
e ao esqueleto do gado,
por entre portos de lenha
e comercinhos decrépitos;
a dura gente sofrida
que carregas (carregavas)
no teu lombo de água turva
mas afinal água santa,
meu rio, amigo roteiro
de Pirapora a Juazeiro.
Responde, Chico, responde!
Não vem resposta de Chico,
e vai sumindo seu rastro
como o rastro da viola
se esgarça no vão do vento.
E na secura da terra
e no barro que ele deixa
onde Martius viu seu reino,
na carranca dos remeiros
(memória de outras carrancas
há muito peças de living),
nas tortas margens que o homem
não soube retificar
(não soube ou não quis? paciência),

nos pilares sem serviço
de pontes sobre o vazio,
na negra ausência de verde,
no sacrifício das árvores
cortadas, carbonizadas,
no azul, que virou fumaça,
nas araras capturadas
que não mandam mais seus guinchos
à paisagem de seca
(onde o tapete de finas 

gramíneas, dos viajantes antigos?),
no chão deserto, na fome
dos subnutridos nus,
não colho qualquer resposta,
nada fala, nada conta
das tristuras e renúncias,
dos desencantos, dos males,
das ofensas, das rapinas
que no giro de três séculos
fazem secar e morrer
a flor de água de um rio.
“Discurso de Primavera e Algumas Sombras” – 1977
Carlos Drummond de Andrade




quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Vazão do São Francisco permanecerá em 800 m³/s

O impasse dominou a reunião promovida nesta segunda-feira (10.10) pela Agência Nacional de Águas (ANA) para analisar os impactos da vazão reduzida no reservatório de Sobradinho, na Bahia. O motivo está na discordância da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) em assumir os custos relativos aos estudos que atendam as condicionantes fixadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) antes de conceder a autorização para reduzir a vazão de 800 para 700 metros cúbicos por segundo (m³/s).
Da relação de exigências apresentadas pelo Ibama, a Chesf disse que não lhe caberia assumir os custos de estudos que versam sobre lagoas marginais; socioeconômicos; monitoramento da fauna; e monitoramento da água subterrânea.O superintendente da Chesf, João Henrique Franklin, argumentou que a companhia é apenas uma concessionária, motivo pelo qual não lhe caberia assumir os custos relativos às exigências apresentadas. Com isso, a vazão permanece no patamar atual, de 800 m³/s.
A posição da Chesf foi informada na reunião da ANA, mesmo após encontro entre os dois entes, na semana passada. Na oportunidade, a Diretoria de Licenciamento do Ibama, responsável por analisar o pedido, modificou os termos, sem alterar o escopo das condicionantes. A posição da Chesf desencadeou um amplo debate com entendimentos favoráveis e contrários a essa postulação. O presidente da agência federal, Vicente Andreu, sugeriu que as decisões relativas à redução de vazão sejam transferidas para o dia 17 de outubro, ficando todos na expectativa de que até lá possa haver consenso entre as instituições.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, participou da reunião no escritório do colegiado, em Maceió (AL), por videoconferência. Representantes de outros entes envolvidos na questão também participaram das discussões.

Defesa Civil teme colapso de água em Sergipe por causa da seca

Ações emergenciais podem evitar o agravamento do problema.
'Solo esgotado e pastagem seca afetam rebanho de gado', lamentou criador.



Gado procura proteger-se sob a sombra do juazeiro (Foto: Anderson Barbosa/G1)

O coordenador Estadual da Defesa Civil, major Erivaldo Mendes, não descarta o risco de um colapso de água nos municípios sergipanos de Cedro de São João, Telha e Propriá, localizados no Baixo São Francisco, e também na capital, onde cerca de 60% do abastecimento vêm do Velho Chico. “Com a vazão do Rio São Francisco baixada para 700 m³/s, a captação que a Deso faz fica comprometida e traz o risco de colapso no abastecimento nestas três cidades, além de atingir cerca de 1 milhão de pessoas na Grande Aracaju, que recebem água da Adutora do São Francisco”, declarou.
A captação da Adutora do São Francisco está localizada em Telha, a 107 quilômetros da capital, município que está entre os 18 de Sergipe em situação de emergência reconhecida pelo Governo do Estado, assim como Cedro de São João e Propriá, que aguardam a análise do Ministério da Integração Nacional.  “Este reconhecimento do Governo Federal é muito importante para a execução das ações emergenciais”, observou.
A Defesa Civil de Sergipe já decretou situação de emergência nos municípios de Itabi, Frei Paulo, Macambira, Canindé de São Francisco, Capela, Gararu, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora Aparecida, Pinhão, Poço Redondo, Poço Verde, São Domingos, Telha, Carira, Ribeirópolis, Propriá, Cedro de São João e Gracho Cardoso.
Mendes informou ainda que a Companhia de Desenvolvimento do Vale São Francisco (Codevasf) vai desenvolver uma dragagem de um canal, onde está situada a captações, para evitar o esgotamento da água.  “Então, precisa dessa emergência para que a obra seja feita de maneira mais célere pela companhia”, frisou  o coordenador.
Com a decretação federal, os municípios também passam a desfrutar de benefícios como a perfuração de poços e a operação carro-pipa, que é aplicada pelo Exército. Atualmente, o 28º Batalhão de Caçadores, situado em Aracaju, desenvolve um trabalho com 11 municípios de Sergipe e 22 da Bahia.
“Cerca de 200 mil pessoas estão sendo atendida pela operação carro-pipa. Os municípios são selecionados pela Secretaria de defesa Civil do Governo Federal e o Exército executa através do Ministério de Defesa e Comando de operação Terrestre”, explicou o comandante do 28º batalhão de Caçadores, coronel Marcos Aurélio Küster de Paula.
Reservatórios estão secando no município de Cedro de São João (Foto: Anderson Barbosa/G1)

“O Estado tem ajudado aos municípios primeiro na decretação, já que o processo é muito técnico e precisam saber como fazer dentro da lei. Também desenvolve ações práticas como perfuração de poços em municípios que estão dentro do cenário de seca e na colocação de dessalinizadores”, explicou major Mendes.
O tom da seca

A estiagem prolongada tem devastado o verde da pastagem na Região do Baixo São Francisco, em Sergipe. No município de Cedro de São João, distante 89 km de Aracaju, os efeitos da seca podem ser observados em toda a sua extensão.

O céu azulado e com poucas nuvens não é um bom sinal para o homem do campo, que sabe que a chuva vai demorar para chegar. “A situação é triste. O ano passado foi até bom, mas este ano está assim, seco. Faz dois meses que não chove bem. Acredito que deve piorar ainda mais e vamos ter que esperar as trovoadas de inverno. Solo esgotado e pastagem seca afetam rebanho de gado”,  lamentou o criador José Carlos Moraes.
Para protegerem-se do sol forte, os animais buscam abrigo na sombra de juazeiros, que ainda resistem às altas temperaturas que chegam a 32º. Lagos e açudes começam a perder o volume de água, a terra começa a rachar e os animais entram num processo de perda de peso. “Quem tem gado de corte está matando para não ter mais prejuízo, mas vende a preço muito baixo. Já quem tem vaca leiteira, está gastando mais com ração que não está nada barato”, observou.
Cedro, Telha e Propriá são os últimos municípios que tiveram a decretação de estado e emergência aceita pelo Governo do Estado e nos próximos dias deve ter o reconhecimento do Ministério da Integração Nacional. “O problema da seca é predominante econômico, então a decretação viabiliza os produtores de terem acesso ao refinanciamento das suas dívidas, por terem perdido as lavouras”, disse o coordenador Estadual da Defesa Civil, major Erivaldo Mendes.
Água em Discussão

A crise de água na Região Nordeste e a situação do Rio São Francisco serão tratados no XIII Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, entre os dias 8 e 11 de novembro no Hotel Radisson, em Aracaju. O evento é organizado pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) e traz como tema “Governança da Água – Desafio para Integração do Nordeste no Presente e Futuro”.


O Simpósio de Recursos Hídricos tem como objetivo estimular e divulgar o conhecimento técnico-científico e está aberto para universitários, professores, empresários, consultores ambientais, profissionais ligados a recursos hídricos e meio ambiente,  representantes de organismos não-governamentais, representantes dos órgãos de Governo, entre outros.
Estiagem prolongada muda cenário no Baixo São Francisco de SE (Foto: Anderson Barbosa/G1)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

'A gente pescava de rede, hoje é difícil até o barco passar', diz pescador

Rio São Francisco faz aniversário de descobrimento nesta terça-feira (4).
Data traz alerta para perda de água no volume total, que já chega a 30%.



Embarcação de pescador passa com dificuldade em trechos do Rio São Francisco (Foto: Reprodução/ TV Grande Rio)

O Rio São Francisco faz aniversário de descobrimento nesta terça-feira (4). Com o nível bastante baixo, a data não gera celebração, mas traz um importante alerta. Os pescadores e ribeirinhos já sentem os efeitos da longa estiagem e da degradação. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), de 1993 a 2013, nos períodos mais secos, o rio teve quase 30% de perda de água no volume total, sendo um dos rios que mais perdeu água na America Latina.
O Rio São Francisco tem  515 anos e foi descoberto no dia 4 de outubro de 1501 pelos viajantes Américo Vespúcio e André Gonçalves. O pescador Tadeu Reis pesca há 50 anos pelas suas águas e nunca imaginou que poderia presenciar uma situação como a de agora. “É muito difícil da gente ver, porque antes a gente pescava de rede. Hoje, é difícil até a embarcação passar. Se continuar dessa forma, eu acho que daqui há uns cinco anos, não temos mais como navegar e nem pescar”, conta.
Em alguns pontos do Rio São Francisco está tão raso que as vacas conseguem pastar (Foto: Reprodução/ TV Grande Rio)

Ao navegar nas águas do rio, no trecho de Petrolina, no Sertão de Pernambuco, é possível encontrar pontos tão rasos, que as vacas conseguem chegar no local para pastar. Os pescadores contam que há aproximadamente três anos, é possível avistar também pedras que estavam submersas. Existem ainda trechos do rio, em que água baixou tanto, que aos fins de semana, as pessoas vão para fazer churrasco, beber e jogar futebol, e, muitas vezes, deixando lixo.
O ecólogo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Lúcio alberto Pereira, explica que o nível abaixo acontece em razão da ausência de chuvas. “No Rio São Francisco a parte alta e média é onde ocorre as principais chuvas, e, consequentemente, essa água vai passar por aqui. Em função da Barragem de Sobradinho, o rio perde a capacidade de transporte do sedimento, Quando ele chega numa parte com menos velocidade de água, ele começa a se depositar, é um processo natural que ocorre, mas pode ser potencializado com o uso e a ocupação do solo, o manejo errado do solo, que após um evento de chuva ou irrigação errada, a tendência é depositar cada vez mais sedimentos. É a formação de bancos de areia".
Pesquisadores da Embrapa saem de barco para fazer coletas da água do Rio São Francisco (Foto: Reprodução/ TV Grande Rio)

Há também uma preocupação com a qualidade da água do Rio São Francisco. Por isso a cada dois meses, pesquisadores da Embrapa saem de barco para fazer coletas. O objetivo é saber se a água pode continuar sendo utilizada pelo homem. Os equipamentos são modernos e conseguem medir a profundidade, temperatura, salinidade, transparência, acidez, e a quantidade de oxigênio. O material é analisado minuciosamente em laboratório.
A analista de água da Embrapa, a química Jacqueline Souza, revela que as análises comprovam que água é apropriada para o consumo humano. “Os resultados ainda estão demonstrando que a água do rio está propícia para o banho e lazer, mas nós precisamos iniciar o cuidado, principalmente, no descarte dos esgotos. Nos pontos onde o esgoto é descartado diretamente no rio já começamos a encontrar valores fora dos parâmetros. E que já começam a nos mostrar esse início de uma possível poluição. Então, nós precisamos começar a ter cuidado com o nosso São Francisco”, destaca.