sexta-feira, 22 de março de 2019

Dia Mundial da Água: Lama da Vale já atingiu o Rio São Francisco, que tem níveis de metais acima do permitido

Barragem da hidrelétrica Retiro Baixo, em Minas, e lama no entorno do Rio Paraopeba (Furnas/Reprodução+CBMMG/Divulgação)
Neste Dia Mundial da Água, celebrado hoje (22), há pouco para se comemorar. Em Minas, principalmente. Relatório divulgado nesta sexta-feira pela Fundação SOS Mata Atlântica indica que a onda de rejeitos da tragédia socioambiental da empresa Vale S.A., em 25 de janeiro, já atingiu o Rio São Francisco. O documento retrata também uma triste realidade no Brasil: em apenas 6,5% dos rios da bacia da Mata Atlântica, a qualidade da água é considerada boa e própria para o consumo.
“Os rios brasileiros estão por um triz, seja por agressões geradas por grandes desastres ou por conta dos maus usos da água no dia a dia, decorrentes da falta de saneamento, da ocupação desordenada do solo nas cidades, por falta de florestas e matas ciliares que protegem os rios e nascentes e por uso indiscriminado de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Nossos rios estão sendo condenados pela falta de boa governança”, diz a especialista em água Malu Ribeiro, assessora da SOS Mata Atlântica.
Dos 12 pontos analisados na bacia do São Francisco, nove estavam com condição ruim e três, regular, o que torna o trecho a partir do Reservatório de Retiro Baixo – entre os municípios de Felixlândia e Pompéu – até o Reservatório de Três Marias, no Alto São Francisco, com água imprópria para usos da população.
Nesses pontos de coleta, a turbidez – transparência da água – estava acima dos limites legais definidos pela Resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), para qualidade da água doce superficial. Em alguns locais, esse indicador chegou a alcançar duas a seis vezes mais que o permitido pela resolução.
Segundo a entidade, as concentrações de ferro, manganês, cromo e cobre também estavam acima dos limites máximos permitidos pela legislação, o que evidencia o impacto da pluma de rejeitos de minério sobre o Alto São Francisco.
“Os dados comprovam que o Reservatório de Retiro Baixo está segurando o maior volume dos rejeitos de minério que vem sendo carreados pelo Paraopeba. Apesar das medidas tomadas no sentido de evitar que os rejeitos atinjam o rio São Francisco, os contaminantes mais finos estão ultrapassando o reservatório e descendo o rio e já são percebidos nas análises em padrões elevados”, divulgou a SOS Mata Atlântica.

Água ruim em 17% dos rios

Além de ter apenas 6,5% dos rios da bacia da Mata Atlântica com água própria para consumo, dos 278 pontos de coleta de água monitorados em um total de 220 rios, 74,5% apresentam qualidade regular, 17,6% são ruins e, em 1,4%, a situação é péssima. Nenhuma amostra foi considerada ótima.
A conclusão do relatório O Retrato da Qualidade da Água nas Bacias da Mata Atlântica é que os rios estão perdendo lentamente a capacidade de abrigar vida, de abastecer a população e de promover saúde e lazer para a sociedade.
A qualidade de água péssima e ruim, obtida em 19% dos pontos monitorados, mostra que 53 rios estão indisponíveis – com água imprópria para usos – por conta da poluição e da precária condição ambiental das suas bacias hidrográficas, segundo a fundação.
O relatório traz o balanço das análises feitas nos 220 rios, de 103 municípios dos 17 estados abrangidos pela Mata Atlântica. Nos 278 pontos monitorados, foram feitas 2.066 análises de indicadores internacionais que integram o Índice de Qualidade da Água (IQA), composto por 16 parâmetros físicos, químicos e biológicos na metodologia desenvolvida pela SOS Mata Atlântica.

Comparativo

A SOS Mata Atlântica considera que houve poucos avanços na gestão da água dos rios da bacia. Com o relatório deste ano, foi possível mensurar, pela primeira vez, a evolução dos indicadores de qualidade da água em todos os 17 estados abrangidos pela Mata Atlântica, comparando com o ciclo de monitoramento anterior, no ano passado, quando foram coletadas amostras em 236 pontos.
Considerando apenas os mesmos 236 pontos de coleta, os índices considerados regular (78% em 2018 e 75,4% em 2019) e ruim (17,4% em 2018 e 16,9% em 201) não apresentaram diferenças significativas. Já os pontos péssimos passaram de zero para três e os considerados bons de 11 para 15.
“[As contaminações] refletem a falta de saneamento ambiental, a ineficiência ou falência do modelo adotado, o desrespeito aos direitos humanos e o subdesenvolvimento”, diz Cesar Pegoraro, biólogo e educador ambiental da Fundação SOS Mata Atlântica.
Para melhorar o índice de qualidade das águas da Mata Atlântica, a entidade avalia ser fundamental que a Política Nacional de Recursos Hídricos seja implementada em todo território nacional, de forma descentralizada e participativa, por meio dos comitês de bacias hidrográficas.
A fundação ressalta que os rios que se mantiveram na condição boa ao longo de anos, comprovam a relação direta com a existência da floresta, de matas nativas e as áreas protegidas no seu entorno. “O inverso também está demonstrado por meio da perda de qualidade da água, nos indicadores ruim e péssimo obtidos quando se desprotege nascentes, margens de rios e áreas de manancial, com o uso inadequado do solo e o desmatamento”, avalia a SOS Mata Atlântica.

Indicador ANA

A Agência Nacional de Águas (ANA) afirma que os rios brasileiros têm Índice de Qualidade das Águas (IQA) – indicador que analisa nove parâmetros físicos, químicos e biológicos – considerado bom na maioria dos pontos monitorados, mas que o índice cai perto das regiões metropolitanas, sendo que várias delas coincidem com o bioma Mata Atlântica, e em alguns reservatórios do Semiárido.
“Vários fatores podem contribuir para a melhoria da qualidade da água. Ações de controle da poluição hídrica influenciam para a melhora do IQA, especialmente por meio do tratamento de esgotos, controle da poluição industrial e das práticas agrícolas. Variáveis climáticas, tais como mudanças prolongadas no regime de chuvas e no escoamento superficial, também têm o potencial de influenciar o indicador”, informou, em nota, a ANA.
Atlas Esgotos, lançado pela ANA em 2017, mostrou que os esgotos domésticos não tratados são uma grande fonte de poluição pontual no país, que influencia negativamente os níveis de oxigênio das águas.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Rejeitos de barragem que rompeu em Minas Gerais ameaçam o Velho Chico

Comitê cobra ação mais efetiva da Vale para evitar poluição no Rio São Francisco

Ambientalistas ligados ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) estão em alerta quanto à possibilidade de contaminação do Rio São Francisco pela lama de rejeitos da barragem  da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), e que se rompeu em 25 de janeiro, deixando, até o momento, 189 mortos.

A barragem da Vale liberou 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro no Rio Paraopeba e, segundo a CBHSF, os rejeitos já teriam chegado às proximidades da Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, entre as cidades de Curvelo e Pompéu, região central de Minas Gerais.

A área do reservatório de Retiro Baixo possui 22,5 quilômetros quadrados, com profundidade máxima de 44 metros e é a última represa antes do reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Marias, a qual verte água diretamente para o Rio São Francisco.

Gerente da Retiro Baixo Energética, consórcio responsável pela usina, Lana Beatriz Oliveira informou ao CORREIO que não pode afirmar,  com certeza, se os rejeitos chegaram. “Tem chovido na região e não podemos afirmar 100% que a lama já chegou, é bem provável, mas só especialistas para confirmarem isso”, disse.

A hidrelétrica está situada a, aproximadamente, 300 quilômetros do local onde se deu o rompimento, e até a área de alagamento da represa da Usina Hidrelétrica de Três Marias são mais 100 km. Com capacidade para gerar 82 MW de energia, Retiro Baixo está operando com metade disso, gerando entre 30 e 40 MW.

O monitoramento do avanço da pluma de sedimentos no rio Paraopeba é feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), em parceria com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM).

Relatório 
O relatório de ontem  aponta elevação de turbidez da água do Rio Paraopeba, num ponto a 271 km da barragem I da Vale, em Brumadinho. Quanto à localização da onda de rejeitos, o boletim aponta “valores de turbidez mais altos que aqueles apurados no rio antes do rompimento da barragem, no município de Pompéu”, afirma a ANA.
Para o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, as membranas de contenção da lama de rejeitos, colocadas pela Vale “ainda não mostraram sua eficácia”. As membranas, diz o comitê, “deveriam, pelo menos, reduzir a velocidade de deslocamento da pluma de rejeitos”, os quais “ocasionaram, inclusive, mortandade de peixes”.
O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda,  espera que “a Vale seja obrigada a contratar com celeridade a melhor tecnologia internacional dada à gravidade dos impactos que a lama está provocando no Paraopeba com reflexos que, em breve, poderão ser sentidos no Rio São Francisco.”
Para Miranda, “não há tempo para estudos demorados das possíveis metodologias a serem empregadas, e sim a determinação do poder público à empresa Vale para que adquira essas metodologias e tecnologias, inclusive no mercado internacional”.
O procurador da República Antonio Arthur Barros Mendes estranha que “fique a critério da Vale a escolha da tecnologia para contenção e filtragem da lama de rejeitos que avança no Paraopeba”, e sugeriu “a necessidade de uma atitude mais proativa do poder público nessa questão.”
Sem respostas 
Procurado para comentar o caso, o Igam, órgão estadual ambiental mineiro com atuação semelhante ao Inema na Bahia, não respondeu ao CORREIO, assim como o próprio Inema, que também tem acompanhado as discussões sobre a possível contaminação do Rio São Francisco.
O Ministério Público de Minas Gerais também não respondeu. A ANA tem promovido reuniões semanais sobre o assunto, junto com órgãos ambientais federais e estaduais de Minas Gerais e da Bahia. A próxima reunião será na próxima segunda-feira, dia  11.
A ANA informou ao CORREIO que “solicitou à Vale informações adicionais sobre ações que a empresa tem tomado para controle da situação e mitigação dos efeitos sobre a qualidade da água e usuários de recursos hídricos tanto do reservatório de Três Marias quanto do rio Paraopeba” e “aguarda a resposta da Vale até 7 de março”.
“A partir das informações recebidas, novas medidas poderão ser tomadas em articulação com o Igam”, diz o órgão federal. “Como o Rio Paraopeba é de gestão estadual por estar completamente localizado em território mineiro, a ANA não possui interveniência sobre o curso d’água. Cabe ao Igam analisar a qualidade da água.”
Vale instalou  cinco barreiras no Rio Paraopeba
Questionada pelo CORREIO, a Vale não comentou sobre a eficácia das membranas colocadas no Rio Paraopeba para conter os rejeitos. Declarou que “cinco barreiras hidráulicas foram instaladas ao longo do Rio Paraopeba para conter os sedimentos”.
A empresa diz que “estabeleceu um plano de monitoramento da qualidade das águas, sedimentos e organismos aquáticos a partir de coletas diárias de amostras em 65 pontos nas bacias dos rios Paraopeba e São Francisco, cujos resultados parciais vêm sendo compartilhados diariamente com os órgãos competentes”. 
Segundo informou a Vale, moradores e produtores rurais com atividades em 12 municípios de Minas Gerais “estão recebendo abastecimento de água para consumo humano, animal e para irrigação”. Até o momento, a Vale diz que disponibilizou um volume de 20 milhões de litros de água.
A tragédia 
A   barragem, localizada a 57 quilômetros de Belo Horizonte, rompeu-se por volta das 12h20 do dia  25 de janeiro. Um mar de lama tomou conta de estradas, do rio, do povoado e, sobretudo, da área da Vale, empresa responsável pela barragem. Como era hora do almoço, muitos funcionários ficaram retidos no restaurante.
Pela estimativa do Corpo de Bombeiros de Minas, os trabalhos de resgate de corpos deverão se estender por três a quatro meses após o rompimento. No último dia 18, foi publicada resolução no Diário Oficial da União por recomendação da Agência Nacional de Mineração (ANM). O Ministério de Minas e Energia definiu uma série de medidas de precaução de acidentes nas cerca de mil barragens existentes no país, começando neste ano e prosseguindo até 2021.