sexta-feira, 17 de julho de 2020

Sem o Cerrado, a seca engole o Velho Chico



Quando se fala em degradação do Rio São Francisco, os fatores que causam danos ao Velho Chico são inúmeros, mas todos estão intimamente ligados à ação nociva do ser humano, como despejo de esgoto, produtos químicos, assoreamento, entre tantos outros. O Velho Chico, assim como os demais rios, depende da preservação dos biomas para continuar vivo.

No entanto, a ameaça real a sua existência vem de todas as partes. O bioma Cerrado, onde nascem três das maiores bacias hidrográficas do Brasil [Amazônica/Tocantins, Prata e o São Francisco] vem sofrendo agressões constantes, que colocam em risco toda sua diversidade.

O Cerrado, rico em biodiversidade e potencial aquífero, é o segundo maior bioma do Brasil e da América do Sul. Ocupa também o triste segundo lugar de bioma que mais sofreu alterações com a ocupação humana (o primeiro é a Mata Atlântica), considerando atividades crescentes para incrementar a produção de carne e grãos para exportação, fator que tem gerado um progressivo esgotamento dos recursos naturais da região.

De acordo com Paulo Fiuza, que faz parte da Fundação Mais Cerrado, em torno de 65% do Cerrado passou a ser utilizado como pastagem e mais da metade está abandonado, se transformando em áreas de desertificação. “As pastagens vem sendo um dos grandes destruidores do Cerrado, bioma que é o coração do Brasil e interliga todos os outros. As águas que brotam nele abastecem mais de 80% da população brasileira. Então, porque as pessoas não dão a devida importância?”, questiona.

O Cerrado ocupa cerca de 22% do território brasileiro abrangendo os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas. Abrigando milhares de espécies, a degradação crescente já ameaça inúmeras plantas e animais de extinção. De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas já não ocorram em áreas protegidas, e que pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção.

Quanto à capacidade aquífera, os dados também assustam. O professor e pesquisador Altair Sales, referência no Brasil no debate sobre o Cerrado, afirma, desde 1984, que “muitos dos cursos d’água no Cerrado estão secando de forma irreversível”. Atualmente, um estudo desenvolvido pelo doutorando em Ciências Florestais da Universidade de Brasília (UnB), Yuri Botelho Salmona, aponta o desaparecimento de pequenos rios. O estudo está em fase de elaboração e deve ser concluído até o final deste ano.

De acordo com o presidente da Ecodata, organização não-governamental que promove ações de educação ambiental e conscientização, Donizete Tokarski, a manutenção de áreas com vegetação nativa tem reflexo diretamente na manutenção dos ambientes hídricos e dos mananciais. “O Cerrado é de fato o grande fomentador de águas para todo Brasil. A bacia do São Francisco tem mais de 94% da sua vazão originária nesse bioma e as demais bacias são praticamente em torno de 80%; então o Cerrado tem a condição de ser o grande disseminador de águas do Brasil. Entretanto, nós temos muitos rios que já estão secando e os que eram caudalosos e tinham uma vida muito grande em termos de fauna e de piscosidade praticamente não existem mais, em função da série de barramentos que aconteceram. Exemplo disso é o próprio São Francisco. Então, é preciso ter uma leitura mais ampla desse bioma fazendo com que a preservação da vegetação tenha uma associação direta com a produção de água”, afirma.

Ainda segundo Tokarski, os caminhos para se diminuir esse impacto passam pelo combate ao desmatamento. “Além disso, é preciso o acesso a informações permanentes e atualizadas e promover o zoneamento verdadeiro sobre o Cerrado. Temos áreas que não poderiam estar ocupadas de maneira nenhuma; são áreas de altitudes, veredas que são fontes de manutenção da água, principalmente para o rio São Francisco. A gente tem que buscar financiamento para garantir a manutenção dos rios e um Cerrado em pé”, concluiu.

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Bianca Aun 


Fonte: https://cbhsaofrancisco.org.br/noticias/novidades/sem-o-cerrado-a-seca-engole-o-velho-chico/

PEC das Chaleiras Atômicas, que poderá liberar a construção de usinas nucleares em PE, foi pauta de debate online



O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, participou de um debate on-line no último sábado (04), para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende liberar a construção de usinas nucleares em Pernambuco. O debate foi promovido pela Xô Nuclear, nas plataformas Facebook e Youtube.

O debate, cujo tema foi Rodas Antinucleares pela Vida contou com a participação do deputado estadual João Paulo Lima e Silva (PCdoB) e com a mediação de Alzení Tomáz (coordenadora da Nova Cartografia Social de Povos e Comunidades Tradicionais da Bacia do São Francisco e membro da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana), Célio Bermann (professor de pós-graduação em energia da USP/SP), José Karajá (geógrafo e assessor do CIMI/NE) e Renato Cunha (coordenador do GAMBA – Grupo Ambientalista da Bahia).

A PEC nº 09/2019, de autoria do deputado estadual Alberto Feitosa (PSC – PE), modifica o artigo 216 da Constituição de Pernambuco, que permite a instalação de usinas nucleares no Estado. Tal projeto tem sido visto como uma ameaça à vida, pois violenta os direitos de populações tradicionais, como quilombolas e indígenas que vivem às margens do rio São Francisco, onde se instalaria a usina.

Segundo o deputado estadual João Paulo Lima e Silva (PCdoB/PE), a constituição estadual de Pernambuco proíbe a instalação de usinas nucleares no Estado. “Essa proibição só pode ser alterada por uma PEC, ou seja, uma emenda que possa alterar a constituição estadual. Sou relator dessa emenda e me posicionarei contra essa PEC. Informo que por enquanto ela não será votada dada outras demandas ligadas à Covid-19, porém é importante deixar a população ciente dessa discussão e levantar o assunto em relação aos impactos econômicos e ambientais para o rio São Francisco e para todo Brasil”.

De acordo com Anivaldo Miranda, o CBHSF já se posicionou sobre o assunto há quase dez anos, quando essa questão veio à tona e havia vários pontos de localizações possíveis para essa planta nuclear, com seis reatores. “Pensaram na região de Cabrobó (PE), Itacuruba (PE), Belo Monte (AL) e em Propriá (SE). Na ocasião, toda essa situação ameaçou desencadear uma corrida e uma briga porque os gestores dos estados queriam instalar em seus territórios as usinas nucleares. Mas, é importante esclarecer a população sobre isso porque muitos dos nossos gestores ainda estão com a mentalidade do início do século 20. Porém, no atual século o essencial é fazer gestão pública de qualidade. Mas, a mentalidade dos fazedores de obra e daqueles que acham que a questão do emprego se resolverá somente com o investimento em obras, continua relevando os impactos ambientais, estruturais, econômicos. Essa questão da usina de vez em quando vem à tona e tem muitas implicações. Na época em que esse assunto surgiu, perguntava-se muito que tipo de tecnologia seria utilizada naquela e a tendência de replicar tecnologias obsoletas. A energia nuclear é inadequada em nosso país”, disse.

Miranda acrescentou que, enquanto Comitê, não tem nenhum preconceito e nem demoniza qualquer forma de energia, nem hidrelétrica, nem eólica, nem atômica ou nuclear, mas é importante frisar que há vantagens e desvantagens no uso dela. No caso da energia nuclear, há aspectos positivos como o fato de ocupar pouco espaço e não emitir gazes, por exemplo, o que causa o efeito estufa. Entretanto, tem duas questões fundamentais na abordagem da energia nuclear: a primeira é a geração do lixo nuclear que até hoje ninguém sabe o que fazer com ele, e o segundo aspecto é o caso de acontecer um acidente. “Nós não temos como bancar ou lidar com um possível acidente nuclear no semiárido do nosso país ou em qualquer região brasileira. Costumo dizer o seguinte: que o rio São Francisco não tem plano B e essa usina nuclear não é a única ameaça potencial que o rio pode enfrentar, já que no quadrilátero da região de Minas Gerais temos pelo menos dez barragens de rejeitos de minério. Por exemplo, qualquer acidente no rio Paracatu (MG) atingirá o rio São Francisco diretamente e milhares de pessoas serão prejudicadas, já que o rio São Francisco representa pelo menos 70% de disponibilidade hídrica da região nordeste e parte do semiárido”.

O presidente do CBHSF falou do potencial da energia solar no Brasil. “É uma energia que pode ser usada sem a necessidade de construção de grandes linhas de transmissão. Há também a energia eólica, da qual duvidavam muito, mas estão percebendo seus benefícios”.

O deputado estadual João Paulo Lima e Silva pontuou alguns encaminhamentos acerca da pauta sobre energia nuclear. “Em princípio sou contra a instalação da usina nuclear. Ressalto aqui que a iniciativa do abaixo-assinado ‘Chaleiras Atômicas Não’ foi muito importante. Ele vai abrir para as pessoas a possibilidade do início de um diálogo. Se o Comitê tomar uma decisão contra a instalação da usina nuclear já será um avanço, politicamente. Mas, precisamos ter cuidado, já que na Assembleia Legislativa de Pernambuco estão ocorrendo algumas conversas com o intuito de convencer as pessoas da instalação da usina nuclear. Por isso, a necessidade de conscientização e politização das pessoas. A articulação com a igreja católica tem sido importante e me comprometo em fazer um trabalho de sondagem para em um próximo encontro que tivermos”.

Anivaldo Miranda ressaltou que o Comitê já se posicionou acerca da possível instalação de uma usina nuclear e considera que essa pauta não é prioridade e nem é recomendável para a bacia do rio São Francisco. “Atualmente como essa questão voltou à tona nós fomos demandados inclusive pelos nossos colegas da comunidade indígena Pankará, já que temos uma relação muito boa com eles e há representantes com assento no Comitê. Até fazendo um paralelo, o Comitê investiu R$ 5 milhões na construção de uma captação de água através de uma obra que hoje é referência em toda região, e com os nossos recursos reduzidos fizemos justiça para o povo Pankará, de Itacuruba (PE). Aquilo é uma prova de como o investimento, levado à comunidade que havia sido desrespeitada, mudou a realidade deles”.

“O Comitê voltou a tratar desse assunto junto aos ministérios que têm implicação direta nessa questão. Agora é aguardar o retorno deles. Estamos estudando o assunto e temos trabalhado com alguns especialistas porque o Comitê precisa obter informações concretas. Neste caso, iremos conhecer melhor do assunto para poder deliberar algumas ações. Vamos discutir e acompanhar tudo para em breve trazer novidades”, finalizou.


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Deisy Nascimento


Fonte: https://cbhsaofrancisco.org.br/noticias/novidades/pec-das-chaleiras-atomicas-que-podera-liberar-a-construcao-de-usinas-nucleares-em-pe-foi-pauta-de-debate-online/

Relatório da II Expedição Científica realizada no Baixo São Francisco traz resultados importantes


No segundo semestre de 2019 foi realizada a II Expedição Científica no Baixo São Francisco, que teve o apoio do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). A ação contou com 50 pesquisadores e técnicos de 16 instituições de ensino. A expedição durou dez dias e percorreu os municípios de Piranhas (AL), Pão de Açúcar (AL), Traipu (AL), Porto Real do Colégio (AL), Propriá (SE), Igreja Nova (AL), Penedo (AL), Neopólis (AL), Piaçabuçú (AL) e a foz do rio São Francisco.


O objetivo principal era coletar informações e dados, analisar e propor ações com a finalidade de mitigar os problemas no rio. O relatório divide-se em quatro partes: Ictiofauna; Água; Educação Ambiental e Socioeconomia e Tecnologia e Inovações. São 540 páginas de material coletado, estudado e analisado em campo e laboratório.
Segundo o coordenador da expedição, professor Emerson Soares, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL),o relatório irá nortear propostas de manejo e auxiliará instituições, bem como prefeituras, nas tomadas de decisões com embasamento científico atual e detalhado.


Ictiofauna

“Em relação aos resultados gerais, a ictiofauna é pouca diversa. Apenas seis espécies representam 80% das capturas na região. A diminuição da vazão, pesca com métodos não permitidos, represamento da água, desmatamento da vegetação ciliar, assoreamento, poluição por efluentes dascidades e agrotóxicos, aliados à diminuição do regime de chuvas, vem prejudicando a reprodução dos peixes, afetando as migrações reprodutivas de espécies de piracema e esgotando os estoques pesqueiros. A grande quantidade de esgotos e lixo jogados na calha do rio, prejudicam a qualidade de água, o que provoca forte estresse para as espécies, colaborando para diminuição do alimento natural e diminuição do crescimento e desenvolvimento dos peixes”, explicou Soares.

Mais resultados importantes do relatório

Foi detectada a presença de metais nos peixes analisados. “O ferro foi o metal mais abundante, seguido do zinco, no tecido muscular dos peixes estudados. As concentrações de mercúrio, cádmio e chumbo encontradas nos peixes não apresentam risco à saúde humana, associado ao consumo dessas espécies, com base nos Limites Máximos de Tolerância (LMT) prescritos pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (ANVISA)”, afirma o coordenador da expedição, Emerson Soares.

Já os níveis de cromo acima do limite registrados em todas as espécies estudadas indicam que o ambiente aquático está impactado por esse metal, expondo risco à saúde da população da região do Baixo São Francisco, que frequentemente consomeos peixes. “Verificou-se que a maioria dos peixes coletados não estava saudável. Os aspectos higiênico-sanitários observados nas feiras livres e mercados nos municípios percorridos pela expedição, indicam que os produtos comercializados podem ofertar risco à saúde do consumidor, pois apresentam condições impróprias e desconformes com alguns padrões para manipulação de alimentos”, revelou o coordenador.

Água

Em se tratando das análises microbiológicas realizadas neste trabalho, os resultados demonstraram que a água de todos os pontos de coleta encontra-se fora dos padrões de potabilidade recomendados para consumo humano, estabelecidos pela Portaria n° 2.914, de 12 de dezembro de 2011. “Com a variação da vazão na região do Baixo São Francisco, a qualidade das águas também é afetada. Diante disso, foi observado que as águas do São Francisco, nos municípios de Piaçabuçu (AL) e Brejo Grande (SE) encontram-se em processo de salinização. Essa mudança de água doce para água salobra provoca alterações também na biodiversidade e, consequentemente, interfere nas atividades socioeconômicas dos ribeirinhos”, pontuou Emerson Soares.

O relatório aponta alto índice de poluição das águas do Velho Chico. “Foram observados valores altos de cianobactérias e elas estão tipicamente associadas às condições eutróficas (poluídas). Assim, a água do manancial oferece riscos à saúde pública”, ressaltou’.

Comunidades e educação ambiental

O extrativismo de frutas nativas é a principal fonte de renda para muitas famílias da região da foz do rio São Francisco. Isso contribui para sua manutenção e para a conservação ambiental. A integração da produção extrativista ao mercado turístico pode ser uma estratégia adotada, considerando o potencial do município estudado e do estado de Alagoas. A principal política pública acessada pelos pescadores é o Seguro Defeso (cerca de 90% possuem carteira de pesca e recebem o benefício), seguido do bolsa-família com 50%, e aposentadoria (25%). “Com relação à renda média mensal familiar é bom destacar que nenhuma família possui rendimentos acima de um salário mínimo, evidenciando a baixa remuneração pela atividade”, citou Soares.

“Assim como verificado na I Expedição Científica do Baixo São Francisco, em 2018, é possível constatar que a educação ambiental nas comunidades ribeirinhas e escolas visitadas ainda é tratada de forma superficial, seja no dimensionamento de projetos pedagógicos ou na falta de políticas públicas com estímulos e recursos oficiais (federal, estadual e municipal) para desenvolvê-las de maneira efetiva. As poucas ações isoladas realizadas não apresentam conexão clara e efetiva com os problemas enfrentados pelas comunidades ribeirinhas”, finalizou.


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Deisy Nascimento
*Fotos: Edson Oliveira e Azael Goes